quinta-feira, 5 de junho de 2008

As pessoas são mais bonitas que os automóveis...

_as pessoas são mais bonitas que os automóveis...
foi isso que ele me disse
ele tinha duas fogueiras nos olhos
ele tinha assim uma pele
marcada, queimada de sol, de muito sol
de muito caminhar
mas tinha um rosto sem idade
era uma fúria serena
era alguma coisa que realmente chamava atenção
_as pessoas são mais bonitas que os automóveis...
é, foi isso que ele me disse
e depois, ele me disse mais
ele disse:
_companheiro
lutei, lutei muito
sonhei, sonhei demais
segui meu sonho
e lutei em mil batalhas
em mil batalhas fui derrotado
em mil batalhas fui ferido
sangrei
me fizeram prisioneiro
me torturaram
em mil batalhas fui traído
em mil batalhas fui abandonado
e a cada batalha
e a cada dor
a dor se fazia maior
e a cada morte
esta se fazia mais sofrida
até que eu não tivesse mais dor para experimentar
até que meu corpo estivesse destruído, dilacerado
até que meus pedaços se espalhassem pelo chão
e nem aí meus inimigos me pouparam
eles juntaram meus pedaços
eles me queimaram
e eles jogaram minhas cinzas no vento
para que nem mais cinzas houvesse
e aí
exatamente aí
eu ja não existia mais
eu ja não era mais
eu ja não tinha mais nada
exatamente aí
que eu vi surgir um vulto
um vulto envolto em muita luz
luz, luz, luz
e eu não conseguia ver quem era
não
eu só sei que era muito bom ver aquilo
e ele foi
foi ou veio
ia ou vinha, sei lá
ia em minha direção
vinha em minha direção
eu estava em todos os lugares
eu não era nada
eu era o vento
sei lá
eu sei que quando pude ver o seu rosto
eu o reconheci
sim, eu ja o havia visto antes
...no espelho
aquele ser que vinha
aquela coisa divina
era eu
e eu não compreendi
não compreendi
...ele me sorriu
e quando eu pensei ja havia me livrado de todas as dores
que aquele sorriso significava
o abrir de portas para alguma coisa melhor
significava uma vitória ou qualquer coisa assim
eu me vi novamente em corpo, em carne, em espírito
eu me vi nele
ele era eu
eu estava nele
e eu me vi novamente no meio do campo
no meio do campo de batalha
pra lutar mais mil batalhas
pra perder mais mil batalhas
pra experimentar mais mil dores
pra começar tudo de novo
aí eu fechei os olhos
aí eu me sentei na calçada
aí eu pensei
porque?
pra que?
depois disso tudo
não esta tudo igual?
não continua tudo igual?
igual, igual, igual
de que adiantaram tantas dores?
de que adiantaram todos os sacrifícios?
de que adiantou morrer tantas vezes?
se aqui eu tenho que recomeçar tudo de novo
pra que tudo isso?
adianta alguma coisa?
daí eu lembrei daquela canção do chico...
"...esse pileque homérico do mundo
de que adianta ter boa vontade
mesmo calado o peito resta a cuca
dos bêbados do centro da cidade..."

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