quarta-feira, 20 de abril de 2022

Retrato Falado
minuto a minuto, hora após hora, ao longo da madrugada
tentei em vão, captar a essência, desenhar aquela face
visitei e revisitei, um por um, todos os instantâneos e nada
havia algo de inatingível naquela imagem, um impasse
busquei cores e formas nas palavras para desenhar de outro jeito
me armei de letras, pontos e virgulas e me lancei a exploração
me deixei levar pela correnteza do rio, navegar em seu leito
esperando encontrar nalguma margem um porto, uma revelação
a expressão daquele semblante era simplesmente imperscrutável
um caldeirão borbulhante de candura, deboche e inquisição
quebra cabeças incompleto de um mistério insondável
como quando nos faltam palavras e fogem os acordes da canção
o olhar, ao mesmo tempo, poderoso, penetrante e zombeteiro
como que nos ataca, crava as unhas, acarinha e acolhe
tal qual a fera, na noite escura, sob um tênue cruzeiro
que antes de dar o bote, fica imóvel, silencia e se encolhe
a boca nos oferece, invariavelmente, o sorriso estampado
ora largo, generoso e tentador como a atração do abismo
ora com os lábios, um sobre o outro, levemente pousado
plenos de mil nuances de ternura, desdém e lirismo
são linhas e traços intangíveis, como a esfinge, indecifrável
brinca de esconder entre as estrelas e caçoa da divindade
dança as rimas do poema jamais escrito, de paixão insuportável
é uma e muitas, bruxa, fada, ninfa alada, refulge mentira e verdade
é Mayã que sabe mas não pode voar nem revelar o segredo
traz a sina de preservar o saber e a missão de ter que ensinar
quem sabe uma mascara grega que disfarce fragilidade e medo
quem sabe alegoria, a fantasia perfeita, feita de lua, areia e mar
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